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Camelot, Guinevere e Lancelot

Eu era rainha e perdi a minha coroa, Mulher e quebrei os meus votos; Amante e arruinei quem amava: Não há maior massacre. Há poucos meses atrás eu era rainha, E as mães mostravam-me os seus bebês Quando eu chegava de Camelot a cavalo.

*Guinevere de Sara Teasdale

Como a quarta parte deste pequeno estudo sobre as lendas esotéricas do Rei Arthur, comentaremos sobre o elemento TERRA, representado nas lendas arthurianas por Camelot e pela Távola Redonda. Para quem chegou agora no blog, recomendo que leiam antes os textos a respeito dos outros elementos: FOGO (Merlin, José de Arimatéia e o Bardo Taliesin), ÁGUA (O Santo Graal e a Linhagem Sagrada e AR (Rei Arthur e Sabres de Luz). Desde os mais remotos períodos, o Elemento Terra está associado aos rituais de fertilidade e prosperidade. No Egito e na Babilônia, era a partir da uva e do trigo que se realizavam os rituais de plantação, chegando até a consagração final do ritual de prosperidade do pão e do vinho, que eram repartidos entre os companheiros (esta palavra vem de “Companionem”, ou aqueles que dividem o pão). Jesus, como sacerdote essênio, realizou este mesmo ritual no Pessach, que ficou conhecido pela posteridade como a “Santa Ceia”.

Apesar de hoje ele ser sempre lembrado como cristão, a origem deste ritual é babilônica. Dos ritos Osirianos até os essênios, a tradição do pão e do vinho dividido entre os sacerdotes pode ser encontrada ao final das grandes celebrações. E com Yeshua e seus apóstolos não seria diferente.

Páscoa, Pão, Vinho e Hieros Gamos Na cultura Celta, antes da Igreja destruir este culto e transformá-lo no que se conhece hoje em dia como “bruxaria”, este período entre Abril e Maio era marcado pelas celebrações da Primavera, ou comemorações em homenagem à deusa Eoste (de onde vem a palavra “Easter”). Os camponeses iam para os bosques de carvalhos à noite e acendiam enormes fogueiras para a Deusa, o que tornou esta festividade conhecida como “As Fogueiras de Beltane”.

Nesta época e local, os princípios morais vigentes eram outros, a mulher era um ser livre e não havia o machismo como hoje se conhece. As sociedades possuíam um equilíbrio entre os sexos, cada um desempenhando uma função dentro do todo. Sendo assim, nesta noite de Beltane, as moças virgens (e mesmo as casadas, que poderiam ir para as florestas com seus maridos ou não), iam para os bosques na celebração do que se chamava “Hieros Gamos” onde os rapazes copulavam com as moças sob a lua cheia guiados pelo instinto num ritual de fecundidade e vida. Eu já falei sobre o Hieros Gamos em colunas antigas.

As crianças que fossem geradas nesta noite eram consideradas sagradas e, normalmente, as meninas viravam sacerdotisas vestais e os meninos magos/druidas. Além disso, o ritual era consagrado à Deusa para que esta trouxesse sempre boas colheitas através da fertilidade da Terra. Embora o culto fosse predominantemente feminino, não se excluía, de forma alguma, o papel do Deus, pois, a essência de Beltane, sendo a fecundação, impunha sempre, a presença do feminino e masculino.

Sendo assim, no Beltane, os meninos tinham a sua cerimônia de passagem da adolescência para a maturidade. O rapaz personifica o Deus Cornífero e a virgem, a Deusa. Na escolha de um rei, o rapaz veste a pele de um Gamo (um veado real) e desafia um gamo de verdade, o líder da manada, e luta com ele até a morte de um deles. Se o rapaz for o vencedor, terá sido escolhido Rei representando o Deus, o Gamo Rei e terá uma noite com a Virgem que representa a Deusa onde um herdeiro será concebido. O novo herdeiro, um dia deverá disputar com o pai pelo trono. O Gamo Novo e o Gamo Velho… A capa vermelha tradicional do rei e a coroa nada mais são do que resquícios deste antigo ritual de sobrevivência. Se eu não me engano, no livro das “Brumas de Avalon” a escritora descreve este ritual realizado por Arthur (me corrijam se eu estiver errado, eu não li o “Brumas”, uma amiga me contou isso).

Mas o que isto tem a ver com a lenda do Rei Arthur? Calma Padawan… tudo a seu tempo… Esta característica cultural dos celtas e principalmente das Rainhas Guerreiras/sacerdotisas (cuja linhagem das Damas do Lago vai até os primórdios das ilhas britânicas e através das bacantes gregas e prostitutas sagradas da babilônia) era extremamente chocante para os religiosos puritanos de Roma. Imagine saber que a rainha, enquanto o rei estava fora em campanha, possuía um ou mais “concubinos” responsáveis por satisfazê-la sexualmente na ausência de seu esposo? Esta é uma das prováveis origens do termo “levar os chifres”. Os romanos diziam que os guerreiros celtas, enquanto estavam na floresta “levando os chifres para casa”, suas esposas estavam aquecidas na cama com outros homens. E chegamos finalmente à relação entre Guinevere, Arthur, a Távola Redonda e Lancelot.

As bases históricas e lendárias de Guinevere O nome Guinevere vem de Gwenhwyfar (cujo nome significa “Fantasma Branco”) e aparece pela primeira vez nas histórias chamadas “Triad of the Island of Britain”, do século VIII, onde Arthur se casa não com uma, mas com três Gwenhwyfars (Uma delas era filha do rei Cywryd, outra Gwenhwyfar era filha do rei Gwythyr Ap Greidiol e finalmente Gwenhwyfar filha de Ogrfan Gawn). Malditos celtas que fugiram da fila onde estavam sendo distribuídas as vogais… Estes três casamentos, com três fases distintas da “fantasma branca” estão relacionadas diretamente com o casamento do Hieros Gamos do rei Sol com a rainha Lua, em suas três fases (a chamada “Tríplice lunar”), em diversas recorrências na mitologia celta. Ela também aparece no Mabinogion, nos contos de Culhwch and Olwen mencionada algumas vezes como Gwenhwy-fawn. Em latim, é chamada de Gwanhumara ou Genebra (nome que deu origem à capital da Suíça). Em alguns dos textos mais antigos, a rainha, antes de se tornar esposa de Arthur, é retratada como tendo um concubino chamado Medrawd, em textos do século VI (que mais tarde, nos primeiros textos que serviram de protótipo para a lenda de Arthur, especialmente os textos de Geoffrey de Monmouth “Historia Regum Britanniae”, o chamam de Mordred e o colocam como “amante” de Guinevere que, graças a esta desgraça, causou a destruição de Camelot. E nunca mais as rainhas tiveram direito a concubinos!

O casamento de Arthur com Guinevere firmou a sua corte. Como dote Guinevere recebeu a lendária Tavola Redonda e o casal real tornou-se o centro do brilhante circulo dos cavaleiros de Arthur. A herança de Guinevere varia conforme as diferentes lendas. De acordo com Malory, Guinevere (em galês Gwenhyvar) era filha do Rei Leodegrance de Cameliarde. Na tradição galesa, o seu pai chamava-se Gogrvan ou Ocvran. Na peça de Thelwall “The Fairy of the Lake” (1801) é posta a hipótese de ela ser filha de Vortigen. Em algumas histórias, ela tinha uma irmã chamada Gwenhwyvach e uma lenda francesa fala de uma irmã gêmea chamada Guinevere the False. Em outro conto, ela tinha um irmão que se chamava Gotegrin. Como vocês podem ver, a falta de “copyrights” durante o período antigo/medieval fez com que o que chamamos de “Histórias do Rei Arthur” seja, na verdade, um samba do crioulo doido de autores que escreviam seus poemas de acordo com suas visões e interesses.

Assim que Arthur subiu ao trono e apesar dos avisos de Merlin que ela um dia o haveria de traír, Arthur escolheu Guinevere para sua mulher. Como dote, ela recebeu do pai de Arthur a grandiosa Tavola Redonda, feita por Merlin, a qual tinha capacidade para sentar 150 cavaleiros (em outras lendas, esta távola já estava pronta e seria um presente de casamento do pai de Guinevere).

Guinevere e Perséfone Em “Gawain and the Green Knight” é afirmado que Morgan le Fay enviou o Cavaleiro Verde para Camelot para assustar Guinevere. Uma das razões foi a velha rivalidade entre elas, ocorrida no início do reinado de Arthur, em que Guinevere expulsou da corte um dos amantes de Morgana. Outra razão invocada foi o fato de Guinevere e Morgana serem duas deusas de aspectos muito diferentes. Morgana, originalmente como personagem de Morrighan (ou Morrigu), é uma deusa negra que representa as poderosas qualidades do Inverno e da guerra. Por outro lado, Guinevere é chamada “the Flower Bride” (a noiva das flores), representando a Primavera e o desdobramento da vida. Como tal, estas duas mulheres são o oposto uma da outra. Lancelot, o defensor de Guinevere, tornou-se o amargo adversário de Gawain que é o Cavaleiro da Deusa – defensor de Morgana. Simbolicamente, esta versão trata da permanente disputa entre o Inverno e o Verão.

Quando as lendas Arthurianas foram rescritas por escritores cristãos, após o período da Vulgata, tanto Guinevere, a deusa das flores e da luz, como Morgan, a Deusa Negra, permaneceram, durante algum tempo, num convento de freiras (?!?!). Como “Noiva das Flores”, o mito diz que Guinevere é raptada por um dos seus pretendentes, sendo depois salva por outros opositores astuciosos, com a mudança das estações. Um exemplo disso é descrito em “Life of Gildas” de Caradoc de Llancarfan. Nesse texto, Melwas of the Summer Country raptou Guinevere, sendo, mais tarde salva por Arthur. A cena do rapto volta a repetir-se em diversos contos em que o raptor é Meliagraunce, o cavaleiro que desejava Guinevere. Neste conto, o salvador é LANCELOT, em vez de Arthur. Neste segundo ciclo, mais voltado para a simbologia Greco-romana, temos uma releitura do rapto de Perséfone por Hades e seu retorno posterior para o mundo dos vivos, e Lancelot passa a fazer o papel do Sol, trazendo novamente a primavera para o ciclo do ano.

Guinevere e Sir Lancelot apaixonam-se. A Falsa Guinevere ocupou o lugar de Guinevere enquanto ela procurava amparo em Lancelot em Sorelois. A Falsa Guinevere e o seu cavaleiro Bertholai admitiram por fim a sua fraude e, depois da morte desta, a verdadeira Guineve é entregue a Arthur. Nessa altura, Guinevere e Lancelot já estavam irremediavelmente apaixonados e a luta de Lancelot com a sua consciência mantinha-o longe de Camelot. Quando Guinevere e Lancelot decidiram terminar o seu romance, para o bem do reino, Mordred, filho ilegítimo de Arthur, encontrou-os no quarto dela. Lancelot fugiu e Mordred forçou Arthur a condenar Guinevere à morte.

Lancelot acaba salvando-a da execução, matando acidentalmente Gareth e Gaheris, irmãos de Gawain, tendo começado assim a guerra entre os exércitos da França e da Inglaterra. Enquanto Arthur estava longe lutando com Lancelot, Mordred declarou o seu pai morto, proclamando-se rei e anuncia o seu casamento com Guinevere. Ela recusa o casamento e se auto-aprisionou-se a si própria na Torre de Londres. Arthur regressou para lutar, uma vez mais, com Mordred, tendo sido atingido mortalmente por uma lança. Neste ponto, já misturam ao ciclo passagens do “Rei Pescador” e do ciclo de contos do Graal (eu falei que as lendas do Rei Arthur eram uma salada de frutas, não falei?).

Depois da morte de Arthur, Guinevere foi para um convento de freiras em Amesbury, permanecendo lá até à sua morte. Um outro conto, de Perlesvaus, diz que ela morreu como prisioneira dos Pictos (habitantes celtas da antiga Escócia), tendo sido sepultada ao lado de Arthur.

Círculos de Pedra e a Távola Redonda As descrições da Távola Redonda mais antigas diziam que ela acomodava sem maiores problemas 150 cavaleiros com suas respectivas armaduras ao seu redor. O curioso é que o texto não menciona que os cavaleiros estejam “sentados”, mas chegaremos a isto em breve… Fazendo uma conta simples, temos que uma pessoa de armadura ocupe um espaço de 1m em uma mesa. Teríamos, então, uma mesa com o comprimento de 150m. Usando a fórmula mágica 2*PI*R = 150, temos que R = aprox. 23,87m, ou o Diâmetro de 47m.

Nos parece óbvio que a “Távola” que teria pertencido a Gwenhyvar não era exatamente um “mesa” nas lendas mais antigas celtas e britânicas. Mas o que exatamente poderia ser, que estivesse sob os domínios da Deusa-tríplice-lunar, que fosse utilizada para celebrações e que conseguisse reunir ao mesmo tempo os 150 cavaleiros?

Agora tudo faz mais sentido. As lendas celtas não falavam em castelos, mas sim em rituais de solstícios e equinócios envolvendo os círculos de pedra. Porém, à medida em que as lendas vão sendo atualizadas para os princípios cavaleirescos, o círculo de pedra se torna uma fortificação que se torna um castelo; a Távola se torna um “Castelo com o teto estrelado” e mais tarde ainda, apenas Camelot. Na próxima vez que você estiver em um Templo Maçônico, descendentes distantes dos Templários e dos Cavaleiros do Graal, olhe para cima.

Já desvendamos todos os principais mistérios do ciclo Arthuriano. O Santo Graal, Excalibur, Merlin e agora Camelot.

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