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Perseguindo a Eternidade


Aqui começa: 3 artigos antes do fim dos tempos…


» Parte 1 da série “Reflexões sobre o tempo”

Todos certamente já afirmaram, de forma natural: "o tempo corre", "este ano passou depressa" ou mesmo "esta aula não acaba". Uma definição científica mais precisa faz-se certamente necessária, e com ela ver-se-á que o tempo, em sua acepção científica, não flui. O tempo simplesmente é.

A ilha Samoa, no Pacífico Sul, anunciou que vai avançar um dia no calendário para incentivar os negócios com os seus principais parceiros econômicos, a Austrália e a Nova Zelândia. Hoje, a ilha de 180 mil habitantes está 21 horas atrás da principal cidade australiana, Sydney. A partir do dia 29 de dezembro de 2011, vai estar 3 horas à frente [1].

O primeiro-ministro de Samoa, Tuilaepa Sailele, afirmou que a ilha está perdendo dois dias úteis por semana em suas transações comerciais com esses países. Quando é sexta-feira em Samoa, já é sábado na Nova Zelândia. E aos domingos, enquanto a população da ilha está na igreja, os negócios estão a todo vapor em Brisbane e Sydney. A alteração do calendário significa que Samoa passará para o lado oeste da linha internacional do tempo. Há 119 anos, os samoanos fizeram o contrário e se transferiram para o lado leste da linha, a fim de incentivar negócios com os Estados Unidos e a Europa. Hoje, entretanto, são a Austrália e a Nova Zelândia os importantes parceiros comerciais da ilha.


Quando a linha internacional do tempo (ou linha de data) foi estabelecida, o mundo ainda seguia a doutrina newtoniana do tempo, e cria piamente que o tempo era uma entidade absoluta. Dessa forma, apesar de serem linhas imaginárias, os meridianos estariam associados à rotação da Terra em torno do Sol, algo que transcorreria em um tempo absoluto. Até hoje, como podemos ver, a engrenagem de nossa economia se baseia em linhas imaginárias concebidas numa época em que se acreditava que o tempo era uma medida absoluta. Einstein provou que estávamos todos errados…

Ainda adolescente, o gênio alemão lutava com a questão de como uma pessoa veria um raio de luz se viajasse exatamente à mesma velocidade da luz. Segundo Newton, o viajante veria uma onda de luz “estacionária”, e poderia até mesmo estender o braço e recolher um punhado de luz imóvel, como se recolhe a neve aqui na Terra. Ocorre que, segundo as equações de Maxwell para o comportamento da luz, ela jamais poderia algum tempo estar parada, sem se mexer. A luz era como um tigre selvagem que jamais poderia ser domado. Einstein descobriu um grande paradoxo.

Para compreendermos melhor o problema, imaginemos que Calvin acabou de ganhar um trenó com propulsão nuclear. Ele decide então aceitar o maior de todos os desafios e apostar uma corrida com um raio de luz. A velocidade máxima de seu trenó é de 800 milhões km/h, contra 1,08 bilhão km/h da luz, mas ele é um garotinho destemido e aceita o desafio. Haroldo, seu tigre de estimação, está atento com um relógio atômico altamente preciso, e anuncia a largada!


Para cada hora que passa, Haroldo percebe que o raio viaja a 1,08 bilhão km/h, enquanto o trenó de Calvin, conforme o previsto, não passa dos 800 milhões de km/h. Segundo a doutrina newtoniana, o tempo é uma entidade absoluta, e dessa forma Calvin concordaria com seu tigre em que o raio tem se afastado dele, desde a largada (desconsideremos a aceleração inicial), a precisamente 280 milhões km/h, a diferença entre as duas velocidades…

Mas, em seu regresso, Calvin está irritado e não concorda de modo algum. Ao contrário, desanimado e acusando a luz de ser trambiqueira, ele diz que por mais que apertasse o acelerador de seu trenó nuclear, o raio de luz continuava a se afastar dele a 1,08 bilhão km/h e nem um pouquinho a menos. Haroldo o aconselha a se acalmar e diz que a luz não é trambiqueira, o tempo é que é relativo!

A explicação de Einstein para tal paradoxo é a de que as medições de distâncias espaciais e durações temporais realizadas pelo relógio de pulso de Calvin são diferentes das de Haroldo, e isso nada tem a ver com o fato de ele estar usando um relógio mais preciso… A divergência entre tais medições só podem ser explicadas pela doutrina einsteiniana onde o tempo não é mais absoluto, mas relativo ao observador.

A velocidade da luz, ela sim, é absoluta e constante, já o próprio espaço e o próprio tempo dependem do observador. Cada um de nós leva o seu próprio relógio, seu monitor da passagem do tempo. Todos os relógios tem a mesma precisão, mas quando nos movemos, uns com relação aos outros, os relógios não mais concordam entre si. Perdem a sincronização. O espaço e o tempo ajustam-se de uma maneira que lhes permite compensar-se exatamente, de modo que as observações da velocidade da luz sempre dão o mesmo resultado, independente da velocidade do observador.

Newton achava que esse movimento através do tempo era totalmente independente do movimento através do espaço. Einstein descobriu que eles são intimamente ligados. A descoberta revolucionária da relatividade especial é esta: quando você olha para algo, como um trenó nuclear estacionado, que, do seu ponto de vista, está parado – ou seja, não se move através do espaço –, a totalidade do movimento do trenó se dá através do tempo. O trenó, a neve, o tigre, você, sua roupa, tudo está se movendo através do tempo em perfeita sincronia. Mas, se Calvin voltar a acelerar o trenó, parte de seu movimento através do tempo será desviada para o movimento pelo espaço. Por fim, a relatividade especial declara a existência de uma lei válida para todos os tipos de movimento: a velocidade combinada do movimento de qualquer objeto através do espaço e do seu movimento através do tempo é sempre precisamente igual à velocidade da luz.

Você pode até se imaginar parado, mas mesmo o monge budista meditando no templo mais afastado do Butão tem o seu corpo em constante movimento através do espaço. Ainda que a gravidade o prenda a Terra, a Terra está girando em torno do Sol em extrema velocidade, e o Sol, por sua vez, gira em torno do centro da Via Láctea – a nossa galáxia –, e nossa galáxia inteira vai de encontro a Andrômeda [2], e todas as galáxias se movem em torno de conglomerados inimagináveis aos mortais (embora alguns físicos tentem imaginar seriamente o tamanho do infinito)…

Mas, ainda que por milagre o monge atingisse algum espaço perfeitamente estático do Cosmos, ainda assim estaria se movendo a precisamente 1,08 bilhões km/h pelo tempo, na crista das ondas de luz.

Já a própria luz, que sempre viaja à sua velocidade através do espaço, é especial porque sempre opera a conversão total da velocidade do tempo para o espaço. Isso significa que o tempo pára quando se viaja a velocidade da luz através do espaço. Um relógio usado por uma partícula de luz não anda. Os fótons lançados no espaço-tempo tem a mesma idade desde o Big Bang, eles operam no reino da eternidade [3].

Embora não possamos nunca realmente nos aproximar da velocidade da luz mantendo a matéria que nos forma intacta, existe algo de profundo e assombroso nesta visão do mecanismo cósmico. Desde que despertamos para a vida consciente, temos nos perguntado de onde viemos e para onde vamos, e alguns de nós tem tido um contato mais estreito com a própria eternidade que nos cerca – uma essência misteriosa que parece permear todas as coisas, e lhes dar forma e informação.

Para estes, a busca pela eternidade, pelo retorno as origens, ao reino do que não foi nem será, mas simplesmente é, nesse exato momento o é, essa busca se torna uma perseguição implacável… Por outro lado, através da racionalidade, terminamos por desvelar os segredos da própria luz, por retirar o próprio tempo de seu pedestal absolutista. Terminamos por perceber, por uma via completamente distinta, que a eternidade está espalhada por todo o lugar. Nós a percebemos com os olhos – os fótons são eternos [4].

*** [1] O artigo foi escrito antes desta mudança, em 2011. [2] Nossa galáxia e a de Andrômeda fazem parte do Grupo Local de galáxias em nossa vizinhança cósmica. Mas não se preocupem, ainda vai demorar muito, muito tempo, para que as galáxias se choquem… [3] A noção de que o tempo para a velocidade da luz é interessante, mas é importante não exagerar quanto às implicações desse fato. A perspectiva “atemporal” do fóton limita-se a objetos sem massa, o que está limitado a uns poucos tipos de partículas. [4] O exercício mental do trenó nuclear e várias citações e informações científicas descritas neste artigo são fruto direto da leitura de “O tecido do cosmo” (Cia. das Letras), do físico Brian Greene. Recomento sua leitura para um aprofundamento científico (e muito mais embasado, nesse sentido) do assunto.

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